30 janeiro 2003

Falei, outro dia falei em lançar maiores detalhes sobre O Chamado. Lógico que foi uma grande besteira emocionada de quem estava bastante eufórico com um filminho acima da média das últimas sessões que tenho assistido [é para desconsiderar, lógico, o post abaixo, no qual faço comentário sobre o fato de ter ido ver Harry Potter. Não que envergonhe, afinal, tudo soma, o negócio é que aquilo se constituiu num vácuo especulativo no meio destas visualizações fílmicas de que tenho falado]. A verdade é que falar qualquer coisa sobre O Chamado seria uma bela de uma sacanagem com quem ainda não assistiu, e, como eu acho que este será um filme muito bem visto e também comentado demoradamente nos meios que se detém a análises mais detalhadas, renego-me de estragar com qualquer surpresa que poderia usurpar se mais comentários aqui fizesse.

Nem muita coisa além, alguma coisa, porém. Como sempre sou [e acho que assim permanecerei] por muito tempo o último dos moicanos, devo dizer, se é do interesse de alguém, que assisti Harry Potter. Não, nenhuma tentativa vã de voltar a doce pureza dos CUEIROS, o negócio é que quando se tem uma menina que tem uma afilhada, vez por outra se é obrigado a deixar-se dominar por tais programetes que seduzem a moçada da idade tenra. Pois bem, apesar de bastante avesso e um tanto quanto insensível nos últimos tempos - há bastante tempo - a toda esta horda VIOLENTÍCIA e SANGÜINOLENTA que entope os produtos de consumo de que somos vítima, realmente, me surpreendi de como este filme é desaconselhável para crianças. Tirando aquela babaquice bem conhecida que gira em torno, referente à investigações de mensagens SUBLIMINARES satânicas, coisica e tal, o filme é realmente bem assustador [eu me assustaria se eu fosse um moleque não regado a doses cavalares de videogueime] e com uma dose porrada de violência desnecessária. A guria de nove anos que levamos, gostou; parece, pois, mais acostumada ou menos suscetível do que eu a estupidações violentas em produtos para a pirralhada. No más, gostaria de dizer que o primeiro filmete desta saga milionária me pareceu bem melhor e mais INGÊNUO, podendo deixar, realmente, as criancinhas enlevadas com seus espírito aventuresco e prosaico das artes bruxais.


Continuando o fato de que eu sou o último a ter acesso a muitas coisas [devido aos pilas que nem sempre se fazem materializados com a rapidez necessária em minha conta bancária, ou, opção dois, somem com uma rapidez mais abissal do que deveriam], quero deixar registrado a audição mais detalhada do CD da Cachorro Grande. E, sim, é um bom cd. Fora o fato óbvio de, muitas vezes soar [lógico que, querendo], como uma versão tupiniquim dos Stones e dos Strokes, não contém grandes achados sonoros, é rock básico como aqueles casaquinhos de veludo de brechó que eles ostentam pela Lancheria do Parque. O único phoda é que o típico cd que só gaúcho compra e curte, portanto, devo dizer que, se é pretensão dos autores, não conquistarão o restante do país. As coisas são tão datadas, naquela busca incessante da sonoridade e do clima anos 70, com referências óbvias como Charlotte Grapewine e Greta Garbo, etc, que fica restrito à grande ao território gaúcho, com um produto final que só aos gaúchos interessa. Enfim, música para freqüentadores do Garagem, comedores da Lanchera, cachaceiros do João e andadores da Osvaldo. Aquele algo. Mas bom, visceral.

28 janeiro 2003

A merda diferenciativa entre PRETENSÃO e REALIZAÇÃO acaba sendo o imenso vácuo que se abre entre estas duas. Me lembro que prestes a entrar de férias, abriram-se à minha mente diversas possibilidades criativas que poderia realizar agora, com o tempo livre, e estando À BANGU e sozinho em casa - diferentes experimentações e probabilidades mil entre erros e acertos. Mas a bem da verdade é que, estando no quarto dia útil das minhas férias, tudo o que tenho vontade de fazer é dormir até ficar torto e me absorver massivamente de informações. No fim das contas, AINDA não fiz nada do que tinha planejado. Não dei uma bandinha no Fórum [apesar de, passando na volta, ter me envolvido em uma ou duas daquelas manifestações que fizeram parte de tal evento] e ainda devo a mim mesmo a produção massiva literária e gráfica que tinha me prometido. Com o andar do santo, tudo o que continuo fazendo é mandar alguns textinhos para o Expresso. Cinema é outra das distrações [ou experimentos informativos?] a que me entrego, e passear por aí com minha menina e dar algumas braçadas cachorreiras na piscina têm sido realmente os preenchedores da minha ociosidade institucionalizadamente chamada FÉRIAS. No bem das coisas, sei o quanto longos períodos de relaxamento podem ser ricos para a posterior período de criatividade que se segue, mas gostaria de me sentir menos culpado e não ficar com a sensação freqüente de que devo algo para mim. Mas o site pessoal há de sair neste meio tempo, afinal, é o mínimo que posso fazer. Bah, na real eu não devo nada para mim e deveria parar de me atucanar deste jeito. O mais útil, afinal de contas é tomar vergonha na cara e atualizar este blog com mais assiduidade, ao menos por consideração aos leitores [engraçado, isto.]

25 janeiro 2003

Sempre alguma novidade. Texto novo no ExpressOpinião.

O Chamado. Grandíssimo filme. Aguardem maiores detalhes.

O MAL INSTAURADO

E o bicho tá pegando. Para saber do que se trata, dá uma olhadinha acolá, depois passa aqui e não vá embora antes de entrar ali.

22 janeiro 2003

SEINFELD

Continuo, a cada dia, achando Seinfeld um dos poucos seriados tragáveis nesta insossa massa descerebrada que compõe as chamadas sitcoms. Ao contrário da queridinha Friends e suas situações que pretendem passar casualidade, mas completamente inverossímel e forçada ao máximo, com piadinhas de auditório a cada frase terminada, Seinfeld [que, como Friends é hoje, já foi a séria mais assistida nos Estados Unidos] realmente consegue desfazer estereótipos, com tipos que não são padrões em absoluto e muito menos deliciosamente desajeitados ou coisa do gênero, como querendo fazer o gênero do menos popular, mas mesmo assim adorável, tão comum nestas seriezinhas onde todos vivem felizes para sempre. Se é para ser estranho, que seja-se estranho, sem desculpas para isto, ou contornos e recursos paliativos para enquadrar-se no grande senso comum. As pessoas são estranhas, vivem situações e desenvolvem diálogos que não terminam em trocadilhos ou constantes e charmosos levantares de sobrancelha. Por isso a constatação de que a mulher que você namora tem uma mão masculina e feia e que seu apartamento fede e que seus amigos são desagradáveis e estranhos de verdade pode parecer tão engraçado e nem um pouco meiguinho.

Clima de quase absoluta delícia é aquele clima em que praticamente todas as coisas que você queria deram certo, ou estão dando certo ou tem alta probabilidade de dar certo. No entanto, interrompido por algum sinistro ato externo ao qual você se mostra vítima impotente [sem estas crenças toscas em destino e sei lá o que], alguns outros esquemas tratam absolutamente de formar eco contrário a ordem bem sucedida das coisas. Daí, resulta que, ao final, nem tudo está tão absolutamente delícia assim. E, embora, você queira teimar e ignorar a coisa aquela que está fora do ambiente de sincronia a qual todas as outras se remetem, isto é praticamente impossível, pois ela torna-se, parece, de importância maior que as demais [mesmo que não seja!] e, num fator cuja matemática não me é alcançável, anula, praticamente, todas as anteriores e o marasmo tem seu lugar instalado. Ficam então, as tentativas quase vãs de contra-ataque contra a coisa que se insiste em fazer contrária, e muitas são as artimanhas e os estratagemas, mas a luta segue imbatível e interminável.

IDÉIAS

Se você acredita em algo, sua própria crença o torna desqualificado para fazê-lo. sua dedicação vai transparecer. Sua paixão vai se revelar. Seu entusiasmo deixará a todos nervosos. e sua ingenuidade irá irritar as pessoas. O que significa que você se tornará suspeito. O que significa que você será propenso a desilusões. O que significa que você não será capaz de sustentar sua crença diante de tantas piranhas que corroem sua idéia e sua fé, até que reste apenas um esqueleto de seu sonho. O que significa que você tem de se tornar um fanático, ou um tolo, uma piada, um estorvo. O mundo - ou seja, os poderes estabelecidos, - ouviria suas ardentes idéias com um sorriso frio no rosto, depois levantaria obstáculos impossíveis, vendo você finalmente desistir de sua preciosa idéia, após tê-la mutilado de forma a ficar irreconhecível e, depois que você sucumbisse profundamente desencorajado, ele vai pegar sua idéia, lustrá-la um pouco, dar-lhe um novo ângulo e, então, irá passá-la para alguém que não acredita nem um pouco nela.

Ben Okri, escritor nigeriano ganhador do prêmio Booker, em seu livro In Arcadia(Phoenix Houxe, 2002)

Aqui na puc tá rolando uma dualidade de fatores: enquanto eu me afasto, saindo de férias [sim, férias, finalmente!], o movimento se intensifica mais e mais com os diversos protagonistas deste Fórum Social que se inicia hoje. Já é grande a profusão dos mais diversos elementos que fazem daqui [e de toda Porto Alegre, por conseguinte], este caldeirão de efervescência de idéias e expectativas. Este ano não estou tanto no clima quanto o ano anterior, mas mesmo assim, tomarei parte, de uma maneira ou de outra. Tenho que dar uma passada no Acampamento da Juventude e também dar aquela espiada nos painéis e debates do evento.

20 janeiro 2003

O lance é o seguinte: se o governador, que ganha atualmente R$8.100,00 não quiser elevar seus atuais vencimentos, não tem chupadinha para os deputados estaduais, que estão pleiteando um reajuste de de 59%, que passará seus atuais vencimentos de R$6 mil para R$9,5 mil. Como o Rigotto não está interessado em elevar seu "faz-me-rir" do fim do mês, os deputados estão se vendo em maus lençóis, já que pelo artigo 37 da Constituição Federal, os venciementos do Legislativo não podem ser superiores ao do Executivo. O reajuste vai em votação amanhã e poderá ser considerado formalmente inconstitucional pelo Ministério Público ou até mesmo pelo amigo Germano [se entrar com ação no Supremo Tribunal Federal com ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental]. Então, fiquemos contente, por que parece que fudeu para os deputados filhas da puta.

ALMODÓVAR PUTO

A bicha do sr. Sensível Almodóvar e o seu Fale com Ela, papou o Globo de Ouro das mãos dos maloqueiros do Cidade de Deus. Vamos perder também no Oscar. Escreve o que eu estou falando...

Santander continua incentivando a cultura em POA [não, não levo nada pela publicidade...]. Quarta-feira, 19h, tem show do Nei Lisboa cantando blues. A dez pilinhas, eu diria que é uma grande pedida.

Putedo dos inferno! É só falar que o verão é massa para várias coisas, como se arrear nas tias opulentas com nádegas fartas e sobressalentes que vem esta chuva pra acabar com tudo e deixar o dia com esta cara indefinida e MARROM. Não sei o que virá por aí, mas garanto que não tem ninguém nas piscinas.

O verão é tri legal, pára nós, suburbanos, porque nós oferece a possibilidade delícia de nos jogarmos nestes clubes muito freqüentados por gente estranha bragarái e se divertir pesadamente com as tias gordas metidas em seus fiodentais horrorendos. Os velhinhos de havaianas de muitos carnavais passados e entrando dentro da piscina COM ELES, também têm um potencial grandessíssimo de diversão, mas daí, acho que é um pouco de sacanagem, porque EU tenho todo o potencial de vir a me tornar um velhinho destes, também; com uma barriguinha extremamente proeminente, tal qual um apêndice tenebroso com o qual não se é possível vislumbrar o próprio pau e uma grande SAFADEZA para encoxar as guriazinhas gostosas dentro da piscina dando a desculpa que se é velho e não tem muito controle da coisa. Na maioria das vezes, se consegue um sorriso qualquer de aceitação e reconhecimento [não muito mais do que isto] da sua condição fodida de velho tosco e o assunto fica por ali. Acho que me tornarei um velho assim. Vou pras piscinas de clubes como o Gaúcho e vou entrar de havaianas dentro d'água. Os guris vão ficar rindo de mim e eu vou esbarrar nas gostosas de maneira que parece tosquice de velho no BICO DO CORVO. Não espero a hora. Creio que isto será uma diversão constante.

Crumb

Sexta-feira, sessãozinha do Crumb no cine Santander. Grande documentário, pena que, além de mim e do Nasi, que vi por lá, só tinha mais um cara! Desperdício absoluto de projeção. Quer dizer, desperdício nunca é, porque estávamos lá [éramos interessados, pois], mas é foda que tão poucas pessoas tenham se interessado por um documentário tão bom e profundo sobre a vida e obra de um grande artista. No entanto, quem quiser se redimir, ainda tem sessões extras nesta terça-feira. É melhor não dormir de touca outra vez!

17 janeiro 2003

As coxas de Sara

Sara puxou a sainha de crochê um pouco mais para cima e deixou à mostra suas coxas, dominadas por uma profusão daquelas bolinhas que brotam na pele quando a gente está arrepiado, seja de frio ou de excitação – como eu me encontrava agora. No entanto, a imagem da pele da galinha, cheia de bolinhas semelhantes às das coxas de Sara, deixaram meu pênis confuso entre manifestar-se conveniente e verdadeiramente, ou esperar pelo próximo incentivo que Sara estivesse interessada em oferecer-me. Por hora, resignei-me em molhar os lábios e constatar aquele gosto de cafeína extremamente adocicado e gosmento que uma lata de coca-cola tomada sem nada no estômago deixa em nossa boca. Bafo gosmento e profundo. Pedi para que o Jorge me trouxesse mais um refrigerante e fiquei olhando para Sara sem dizer uma só palavra. Aliás, fazia horas que não dizíamos uma só palavra um ao outro. Chegamos, pedi duas coca-colas. A de Sara continuava intocada, e, àquela hora, com certeza, quente e sem gás. Ela fazia uma cara estranha, retorcia-se um pouco na cadeira e emitia alguns gemidos que, por vezes, imaginava vir do péssimo rádio de Jorge, que estava invariavelmente sintonizado em uma destas emissoras que tocam de tudo o dia inteiro, para onde as pessoas ligam e pedem a música cantando.


Aquele clima era modorrento e preguiçoso, mas Sara não se manifestava e eu, na minha pachorra, fazia de conta que estava tudo sob controle.


Sara me olhava como se nos entendêssemos mutuamente, somente através de olhares, como em uma daquelas relações extremamente longas e cúmplices. Não éramos cúmplices. Éramos homem e mulher. E só.


Concluí que Sara me fazia cara de safada. Cara de puta. Conclusão que se acentuou quando ela passou a língua sobre o lábio superior, me olhando firme e levantando a sainha de crochê, deixando à mostra sua coxa com bolinhas de arrepio – ou de excitação, sei lá, e que me lembravam pele de galinha, mas mesmo assim me deixavam de pau duro.


Concluí que Sara queria dar uma trepada. Deixei o dinheiro sobre a mesa e levantamos. Acho que nos entendíamos bem.

Das nuances do conto

Edgar Allan Poe estabelece que a gênese do bom conto deve partir de um efeito único a ser atingido e assim ir acomodando os acontecimentos de forma a satisfazê-lo, insistindo na regularidade e eficiência que deverão manter a atenção do leitor e de um único eixo dramático, não permitindo intervenções, comentários e descrições quando desnecessários. Ele visa a um objetivo único, ímutável, caminha em direção a uma luz sem propósitos de alterações que possam vir a confundir o leitor a respeito da proposta inicial do autor. Poe estabelece uma situação inicial e a partir dela trabalha de forma concentrada situações capazes de criar o suspense no leitor conduzindo-o até o clímax. Para Poe, isto é o necessário para o escritor do conto atingir seus objetivos. Já Julio Cortázar, no ensaio Alguns aspectos do conto[publicado no livro "Valise de Cronópio" da editora Perspectiva], nos diz que os contos de Tchekov visam apresentar algo que está além do conto em si, tanto antes como depois.Muito além do fato narrado, escondem-se outros fatores que devem ser destrinchados pelo leitor. Utilizando como exemplo o conto "O bilhete de loteria", onde a tensão está concentrada em Ivan Dmitritchi e sua esposa que imaginam terem ganho o prêmio da loteria. Durante o conto a ação é praticamente nula, apenas com os dois se observando e imaginando o que fazer com o dinheiro, porém quando certificam-se de que não ganharam nada, voltam-se para a realidade. Não há nada além disso se pensarmos de acordo com a teoria de Poe, mas de acordo com o pensamento de Cortázar sobre a obra de Tchekov as coisas se passariam de modo diferente. O que seria, então, esta outra intenção?Existem subterfúgios diversos, possibilidades mil de se esconder as diversas nuances existentes em um conto. Ou de contá-las da maneira mais fascinante possível, deixando ao leitor o intrincado jogo de revelação sobre o que de fato ele representa. Em uma palestra para escritores cubanos da Revolução, Cortázar discorreu sobre sua maneira de olhar para o conto. Para ele,a função de um conto é quebrar seus próprios limites para ir muito além da pequena história que narra. E neste quesito, a escolha do tema se torna imprescindível como ato de criação. Cortázar defende que o tema deve ser uma condição primordial para o contista esmiuçar sua história de maneira aglutinante e mais vasta que um mero argumento. E para isto, é necessário uma total dedicação e motivação com o assunto a ser retratado, caso contrário, o conto já nasce completamente comprometido. Dedicação, conhecimento - o esmiuçar do tema escolhido, procurando retirar do conto, desde a sua proposta de escrita, todos os diferentes ângulos de análise possível ou apresentar um, deixando para o leitor as possibilidades interpretativas de todos os outros existentes.

16 janeiro 2003

Estas modas [ou tendências, como preferem os fashion stylist ] que surgem têm um poder impressionante sobre as mulheres. Na menor constatação que faço que uma mulher está usando alguma roupa diferente, em questão de um dia noto, no mínimo, umas cinco mulheres usando a mesma roupa. Agora uma tal de calça com uma fenda enorme lateral que vai até o joelho e fica balangandando sensualmente para os lados parece ser a grande coqueluche deste verão. Ao menos até agora. Garanto que alguma personagem de alguma novela usa.

15 janeiro 2003

SIMENON

Aos vinte anos, Simenon registrou que seu objetivo era “ganhar o máximo de dinheiro possível escrevendo livros fáceis, e depois fazer literatura”. Com menos de trinta anos, estava rico, mas continuou a escrever para ganhar dinheiro, que gastava à rodo. Ao fim da Guerra, assinou um contrato milionário, nunca igualado na França: 250 mil euros para cada livro; 15% dos direitos autorais nos primeiros dez mil exemplares vendidos, e a partir daí, 20%; mais a totalidade dos direitos de publicações no exterior e adaptações cinematográficas.

Diretamente de Paris, Mario Sergio Conti comenta a euforia dos críticos frente à comemoração dos cem anos que Georges Simenon completaria em fevereiro se vivo fosse. Entre outras coisas, faz menção à dificuldade de se precisar o tamanho real da obra do escritor, uma vez que publicou centenas de livros sob pseudônimo. Por ter vendido intensamente desde sempre e sempre, também é colocada em análise a sua qualidade literária, porque, parece, para os críticos é impossível relacionar alta qualidade artística com popularidade. Como também teve diversas adaptações cinematográficas e setenta e cinco livros com o mesmo personagem, o famoso Inspetor Jules Maigret. Por essas e por outras, não se sabe se seu nome poderá ser reconhecido como o do “maior romancista da literatura francesa atual”.

Sétimo autor mais lido no mundo - à frente até de Agatha Christie [será que ganha do Robin Cook? Brincadeira...] - sua ex-secretária e amante ainda deu mais uma ajudada para a mítica em torno do escritor: “Ele era prolixo em tudo: na sua maneira de falar, de escrever, de publicar, de fazer amor”, disse Denyse, sua secretária e amante antes de ser sua segunda mulher, com quem teve três filhos. “Nós fazíamos amor todos os dias, três vezes por dia, antes do café da manhã, depois da sesta e antes de dormir”.Depois de poucos anos de casamento com Denyse, Simenon adotou a bigamia, tornando-se amante de sua cozinheira, mas sem abandonar a mulher nem as relações com prostitutas, fãs, jornalistas, arrumadeiras de hotel, garçonetes, qualquer rabo de saia que lhe passasse pela frente. Velho, jactou-se de ter feito amor com dez mil mulheres.

Artigo bacanésimo de Alexandre Rodrigues sobre as diferenças entre os dois Fóruns Mundiais.

14 janeiro 2003

O mundo, definitivamente, não gira em torno de dinheiro - gira em torno de sexo. Assisto um tanto estupefato [perdão, ainda sou um pouco ingênuo] ao calhamaço de programas de temáticas monocórdias que pululam por estas emissoras durante a programação noturna. Dou uma zapeada daqui até lá, e, enquanto mostram um garoto de programa e sua intimidade em um programa na band, na modernete mtv as descoladas marina person e suas asseclas costuram tergiversações [com a naturalidade de lavadeiras conversando à beira de um riacho] sobre porque gostam de apanhar na cara quando estão trepando e sobre os fetiches mil que todos os presentes confessam sem pudores e até com um prazerzinho a mais por achar que estão chocando demasiadamente a todos com sua gritada falta de conivência com o sexo dito convencional. Não questiono o pudor ou a falta dele: não sou nenhum crítico moralista - por falar nisto, e o padre aquele e seus continhos safados? -, mas ainda me embasbaco pelo interesse sem fim pelo sexo, pelo sexo do outro, como o outro faz, porque gosta de lamber sapatos, porque quer ter um dedão enfiado no seu orifício esfíncterino [ou esfíncteriano?], porque gosta de ter seus mamilos puxados, enfim, esta mídia toda exacerbadamente interessada pelas diversidades sexuais do outro. Já não sei se produzem tais programas porque o público quer ver ou se o público vê porque se produzem tais programas. Existe este interesse imenso, mesmo, por parte dos telespectadores ou, na verdade, ninguém se importa com a monique evans deitada em uma cama rosa enquanto uma stripper roça seus seios nas costas de um cara sem camisa? e o público só assiste isto porque é o que há na tv aberta?

Mais uma vez os debates neste sentido poderão ser intensificados com a estréia desta terceira edição do Big Brother. São estes programas, reality shows, os grandes campões de audiência, não é isto? Ver as modeletes e os musculosos desfilando suas "privacidades" em canal aberto é o grande mote de todos os tempos e o futuro da televisão, então? Em que momento tenebroso todos os critérios foram perdidos e serão um dia eles achados? Até a emergência da Santa Casa tão assaltando...

Encontrei um lugar bacana que serve pequenas porções de cérebro de macaco ainda quentes. Fica situado numa daquelas ruazinhas da Cidade Baixa da qual eu nunca sei o nome. O problema é o que o bar, restaurante, pé-sujo, seja lá o que for, sempre muda de lugar NA MESMA RUA, e todo vez que caminho por lá a fim de saborear um ainda quentinho cérebro de macaco na manteiga, que continua sendo minha especialidade preferida, apesar das diferentes e entusiasmantes variedades oferecidas, sou obrigado a olhar para todos os lados e adentrar em quase todas as casas até que, novamente, identifico aquele meu amado e recôndito local onde uma alemoa gorda de CHINELO DE DEDO muito sujo e aqueles saquinhos furados de laranja na cabeça me atende com docilidade e sempre acaba perguntando se eu gostaria de ouvir mais uma das suas cançõezinhas típicas alemãs. Eu agradeço, digo que só o cérebrozinho na manteiga está de bom tamanho, mas na maioria das vezes, ela não me escuta e puxando aquele seu irmãozinho ranhento de dentro de um cesto de vime que fica junto à janela, entoa uma daquelas cantigas pavorosas que eu tenho que escutar como se fosse de bom grado, somente para que ela não me ache antipático e me negue mais uma das suas porçõezinhas mágicas e deliciosas daquela massa quente e vermelhosa que um dia fez um macaco pensar com alguma dificuldade. Fico por ali o máximo que posso e o máximo que minha cada vez mais rechonçuda pança possa suportar, saboreando com um medo desmedido de que tudo possa terminar de uma hora para outra - o lugarejo, o talento em preparar tão deliciosos quitutes, ou mesmo a paciência em fazê-lo para mim, já que, parece, sou o único cliente daquela biboca - e me deixar estarrecido e infeliz sem poder desfrutar mais de tais delícias que descobri tão acidentalmente.

13 janeiro 2003

Sinceramente, não sei dizer se é melhor ou pior o fato de provavelmente - se nenhum recurso conseguir fazer a decisão da juíza federal Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível de São Paulo ser revogada - não ser mais necessária a exigência do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista. De opiniões diversas que li, inclusive de jornalistas [os já formados, lamentando, no entanto, o tempo passado dentro das universidades], todos parecem festejar tal decisão, argumentando que, agora, muitos talentosos sem a possibilidade de acesso a uma universidade poderão trabalhar de maneira legal [como se já não o fizessem...]. Imagina, no entanto, a desilusão no coração dos estudantes das universidades, vendo como que se jogado definitivamente à vala seus "investimentos" nos anos de faculdade. Os argumentos da juíza me pareceram, porém, todos válidos. Ainda que reste um pouco daquela sensação de subestimação de uma profissão, em detrimento de outras, realmente, não há razão para a exigência de ter-se freqüentado um curso universitário para poder trabalhar como jornalista: tirando o fato de que os anos de convivência acadêmica e toda a carta teórica e métodos científicos empregados no ensino são, realmente, fatores a mais em uma formação, o resto não é nada mais do que a prática e conhecimento de método podem oferecer. Quem não deve estar nada contente com isto é o Schröder e o pessoal do Sindicato.

SUBURBANO SOFREDOR

Fim de semana de extrema SUBURBANEIDADE é o que posso concluir deste domingo modorrento e cruelmente ensolarado às ganha. Fazendo aquela presença amiga e acompanhando a namorada em um tradicional programa familiar, me vi às voltas com dezenas de crianças abduzidas pelo domínio emburrecedor das canções imbecilizantes feitas para vender milhares de discos, e, logo, fui obrigado a aturar sessões aterrorizantes, ensurdecedoras e tenebrosas de rouge, ragatangas e suas correlatas, enquanto uma velha de vestido florido declamava uma áudio-mensagem em um carro em frente à casa. Mais suburbano, impossível. Não era bem isto o que eu pretendia quando comecei com este blog, porém.

Carla Rister afirma ainda que, caso a exigência do diploma prevalecesse, “o economista não poderia ser o responsável pelo editorial da área econômica, o professor de português não poderia ser o revisor ortográfico, o jurista não poderia ser o responsável pela coluna jurídica e, assim por diante, gerando distorções em prejuízo do público, que tem o direito de ser informado pelos melhores especialistas da matéria em questão”.


Cai por terra a necessidade do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista.

10 janeiro 2003

A anã me olhava dando risadinhas com seus dentinhos careados parecendo querer demonstrar que este era o seu método de sedução que melhores resultados lhe trouxeram até agora. Eu, entre compadecido, enojado e fascinado, dava um sorrisinho cumplíce para que a anã não achasse que eu, afinal, sou alguma espécie de filho da puta mal educado. Se bem sei, risadinhas continuam a fazer parte da relação de conveniências que procuram assegurar alguma espécie de troca empática entre duas pessoas - e a anã parecia realmente querer conquistar a minha empatia. Com sua sainha de crochê que deveria ter pertencido a alguma criança de uns cinco ou sete anos muito relaxada, ela deixava à mostra somente o cotoco que formava sua canela grossa. Se ela estivesse sentadinha a balançar os cotoquinhos alegremente, junto com aquelas risadinhas de dente careados, creio que seja possível dizer que ela teria me conquistado com muito mais rapidez do que conquistou.

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Eu não sei porque continuo vindo aqui - não sei se a anã tem conseguido ser feliz no seu intento de me seduzir ou se o encanto bizarro tem se entranhado no meu ser -, mas a verdade é que, olhando meio de lado, a anãzinha não é assim tão desprezível. Tem alguma gracinha naquele seu jeito de colocar o cabelinho fino para trás da orelha com o dedinho indicador em riste. Na verdade, não gosto de vê-la com este olhar preconceituoso, como se fosse um objeto raro ou alguma anomalia apresentada em circo tal qual aqueles seres deformes com uma cabeça extra colada ao pescoço. Na maioria das vezes, infelizmente, é este tipo de atividade que os anões em geral costumam exercer, mas esta anãzinha decidiu-se por uma forma alternativa de ganhar a vida. Só que eu não sei se é realmente bem sucedida no que faz, porque sempre que venho aqui, ela continua ali, no mesmo lugar, com as mesmas risadinhas, no entanto. Só mudam as sainhas de crochê e os tops, de vez em quando. A meia eu já notei que é quase sempre a mesma - e, na verdade, não sei porque insiste em utilizar meinhas de algodão branco com sandálias como se parecesse uma menininha arrumada pelos pais. Vai ver se vale disto para despertar o encanto em quem a observa, afinal de contas, não creio existir muitas outras artimanhas disponíveis para uma anã utilizar: mulher fatal, diva loira ou gostosona de shortinho parecem não lhe caber. No máximo um calçãozinho enfiado no reguinho pequeno pode ficar de alguma maneira excitante, mas acho que, no final das contas, a puerilidade que exala naquele seu balançar de perninhas [hoje se pôs sentadinha, como que adivinhando meus pensamentos de ontem...] e no jeitinho dócil com que põe o cabelinho fino para trás das orelhas pontiagudas acaba sendo a maneira mais satisfatória de encanto que consegue proporcionar.

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A anãzinha hoje foi mais ousada. Me olhou e, além de sorrir, balançou os dedinhos curtos em minha direção com aquela abanadinha típica de tia gorda do interior em porta de festa de aniversário. Não retribuí o gesto. Acho que preciso rever meus conceitos, pois, talvez não seja tão bem educado assim. A verdade, é que a anãzinha que tanto me tem encantado, hoje está me irritando profundamente: tenho vontade de bater na sua cara ou de levantá-la pelas axilas e balançar o seu corpinho até que não mais esboce sinal de vida. Tenho destas coisas de vez em quando: uma ternura quase sem fim que me faz delirar com pequenas coisinhas que encontro pelo caminho e que não costumam ser notadas pela maioria das pessoas, podendo ser flores em meio a pequenos toletes de merda ou mesmo criancinhas a bater insistentemente no vidro do meu carro. Em instantes depois, posso estar com vontade de enforcar a vovó mais doce e generosa que venha me oferecer um pedaço de bolo de cenoura com chá de pêssego. Acho que tem a ver com o excesso de candura que muitas vezes exala destas coisas e que entope alguma artéria sentimental minha, não me tornando mais paciente para suportá-las. Que bom que, ao final, fico apenas com a vontade se desenhando em minha cabeça e, ao que me lembre, nunca cheguei a levar a cabo nenhum destes intentos mais violentos. Acho que a doçura me toma de novo agora, pois já não creio que seria algo muito justo de se fazer pegar a anãzinha pelas axilas e sacudi-la violentamente até que rompesse em espasmos ou rebentasse alguma veia importante da cabecinha. Uma vez parece que ouvi falar de alguma diferente formação craniana que gera uma fragilidade extrema no cérebro destes serezinhos de pequeno porte, portanto é bom não abusar destas coisas da qual tenho pouca informação. Pegá-la agora pelas axilas e sacudi-la violentamente para saber se tem pouca resistência a bruscos gestos de movimentação de seu pequenino corpo não deve ser a experiência mais indicada para o momento.

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Acho que vou até ela. Está tão triste que tenho vontade de niná-la no colo. Lógico que esta candura que em mim se incorpora vem acompanhada de princípios de dominação - e quem não gostaria de ter uma anãzinha sob domínio para satisfazer seus devaneios eróticos? Ela tem carinha de safada. Não sei se é mais uma das suas artimanhas, mas hoje se botou casmurra e nem seus dentinhos careados quis me mostrar. Seus gestos são mais curtos do que normalmente seriam e, se afasta o cabelo dos olhinhos é porque eles realmente a atrapalham, e não por que com isto queira impor algum princípio de sexy appeal. Acho que desistiu de mim. Na verdade, acho que nunca a mereci de verdade. Quem compreenderá, afinal, o que se passa em sua cabecinha?

Ultimamente - eu não sei se é bem ultimamente ou se é algo que passou, já, a fazer parte de minhas características - ando desacreditando certas convenções e cerimônias, além de achá-las um tanto risíveis e constrangedoras e terrivelmente falsas. Ontem, movido não sei bem porque fato, fui assistir a uma cerimônia de formatura. Da entrada com música triunfal aos cabelos alisados das moças loiras que, sei, têm cabelo encaracolado, até as oratórias que buscam traçar um retrato contemporâneo e verdadeiro do nosso tempo - utlizando para isto, palavras e frases que julgam chocantes -, enfim, tudo parece falso e me provoca uma repulsa que, por vezes me assusta, tamanho o nível de insensibilidade que, talvez, esteja se entranhando no meu ser. O ranço burguês, as convenções das toalhinhas azuladas nos ombros dos professores, as coroas ricas pintadas e de melenas escovadas, as diferenciações de tratamento que fazem com que professores sejam considerados "ilustríssimos" e funcionários homenageados sejam chamados de "estimados" [por não ter um curso de graduação a fazer frente a seu primeiro nome?] são resultados de uma sociedade que superestima a graduação acadêmica como um fato necessário para "tornar" alguém pessoa digna de consideração.

Engraçado que foi muito ao encontro de um artigo que tinha lido ontem, que está linkado no post abaixo, as batalhas ensandecidas travadas pelas gurias para se tornar quem, na realidade, não são. As toneladas de maquiagem adornando suas superfícies epidérmicas não naturalmente rubras e os artíficios mil na gana de pareceram mais interessantes do que verdadeiramente são - amparadas, claro, por outros recursos diversos que um boa quantidade de dinheiro e conhecimento de bons cirurgiões possibilita - é o resultado desta busca da aparência que impressione. E me impressiona. Me impressiona o nível de futilidade e gestinhos perdidos em algo que poderia primar pela simplicidade e praticidade e se deixar levar menos pelo deslumbramento e esnobismo.

09 janeiro 2003

A sociedade narcísica e hedonista, empurrada por uma cultura visual e uma poderosa indústria disposta a expandir o consumo é corretamente observada em um artigo da Carla Rodrigues que pode ser lido aqui.

08 janeiro 2003

Eu sei, já é bem lugar-comum, mas o que é que eu posso fazer se ainda me assusta este poderio da globo e o dinheiro que uma empresa só tenha para gastar com uma produção? Aquele monte de cavalo e os detalhes esmerados em cada réplica de casarões, utensílios e figurinos é algo para se ter certeza da grana abundante da supra-citada. O resto é aquela coisa de sempre, a casa das sete mulheres, adaptação do livro da Letícia Wiz\xcxaxzcazidfaisfadsfi5% acaba caindo naquela coisinha de amorzinho e suspirinhos e closes em olhinhos que tremem de lourinhas rebeldes. O risível mesmo, foi só na abertura o detalhe para o "levemente inspirado na obra de Letícia Waifu9a8dyf97#$#%xzcsvsasaey". O levemente deu a tônica do lance.

07 janeiro 2003

vácuos esparsos:


A marmita na mão, sentado no paralelepípedo [palavra bonita] e os olhos perdidos em um futuro melhor. Olha pro lado e vê um encarte do zaffari. "Hum, dois e noventa e nove o yaculte. Quando tiver dinheiro, comprarei." Deolar remancha e acha que não vai comer o ovo; pergunta se eu quero. Não me faço de rogado.

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- Puto de merda! Sai, sai. Fica o dia inteiro sentado neste chafariz. Quem tu pensa que é, seu merda! Vai botar umas cuecas!

- É, mas eu entendi o último filme do David Lynch... Sou gay mas sou feliz. Há, há.

- Feliz tu vai ver um soco no teu nariz, puto de merda!

- Segurança!

- Quem é que começou esta merda aqui, porra? Tão achando que tão no mercado público?

- Ele não entendeu o último filme do Lynch...

- Quê?! Não entendeu? Mas tu é mesmo um imbecil. Sai daqui, burro de merda! Sai, sai.

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Uma gola rulê muito, muito alta. Um vento - sim, talvez algum vento nos cabelos, porque vento nos cabelos sempre fica extremamente estiloso. Pode estar sentada em um café, embora soe um pouco burguês, mas um café me parece o cenário ideal para tais devaneios. O dono, e é sempre ele que atende, caminha até você e nesta hora você faz um gesto vago, sem parecer antipática ou coisa parecida, dando a entender que por enquanto não quer nada. Só ficar por ali e observar, um pouco. Só um pouco, ao menos por enquanto. Ele diz que tem pedir alguma coisa, não ligando para o seu silêncio e o seu ar de poeta sofredora com uma caneta bic com a tampa roída em uma mão eternamente suspensa. Você ainda tenta lançar um olhar que revele toda a amargura existente no seu coração enlevado, mas ele não liga muito e coloca o cardápio na sua frente.

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Talvez alguns poucos momentos de isolamento e nada mais será preciso. Já terá a medida certa para julgar-se um pouco melhor e talvez possa tecer opiniões menos preconceituosas. Também, pouco importa. Não capta muito bem a ordem atual dos acontecimentos, mas se mantém, ainda assim, atento, os olhos vidrados e a respiração compassada. Limpa o sangue em toda a volta e titubeia entre lavar a faca na pia e levá-la consigo embrulhada em um jornal que serve de forro para a cama da cachorrinha Pequetita. Pequetita se manteve quietinha o tempo todo, e, para falar a verdade, não parecia a melhor amiga do homem. Continua estática a um canto, não se importando nem mesmo quando tem seu jornal retirado de baixo de si. Sobe para o sofá e ensaia uma volta em torno para afofar o lugar antes de cair em sono profundo. As luvas! Não sabe o que fazer com as luvas... Olha o quadro sobre o armário e se encanta com a menina ruiva de muitas sardas. Será que é filha? Talvez se sinta só, mas por enquanto precisa achar detergente no armário embaixo da pia.

Gostaria de poder ser um pouco mais disciplinado e organizado com a profusão de produção literária que administro. Por vezes, as idéias se confundem, e ficam pipocando diferentes temáticas, que, não necessariamente, cabem em um mesmo projeto de livro. E o resultado disto é que no momento estou escrevendo em torno de três narrativas diferenciadas e com temáticas distintas. Seu eu tivesse a facilidade de me centrar em alguma coisa só e ir com ela até o fim, eu não ficaria a cada dia escrevendo um relato ou editando uma história diferente porque me veio à cabeça uma cena interessante, uma descrição que julgo fabulosa e não pode ser deixada para depois. O resultado disto é que, atualmente, posso ser visto rabiscando nos lugares mais inóspitos - e nos ônibus, em caderninhos enquanto o coletivo treme adoidado é meio engraçado a pessoa do teu lado te olhando e querendo saber o que é aquilo o que você escreve com garatujas incompreensíveis a ela.

06 janeiro 2003

ano novo, logotipo novo

êia, ó novo logotipo da velha suburbana aí.

05 janeiro 2003

Estou quase lá, quase chegando afinal, à fórmula da felicidade universal. Ou da minha felicidade, ao menos. Entre a maioria dos ingredientes, consiste em não se importar inteira e desesperadamente com todas as coisas, considerando-as de imensa importância para a sua vida - ainda que na verdade, elas sejam. Bom, não sei. Talvez seja somente charlatanice e auto-enganação, mas o que posso fazer, se estou, afinal, conseguindo me sentir melhor assim? Aquela coisa do altruísmo?, felicidade vinculada à felicidade de outrem? Acho que não. Talvez, também, sejam somente comentários esparsos de alguém amargurado, mas na realidade acho que não tem nada de amargura no meu coração, mas somente uma capacidade prática que eu mesmo desconhecia e, se não chega a me assustar, me põe feliz por saber ser portador dela. No final das contas, a felicidade depende somente de nós e, não configurando-se em egoísmo, às vezes é preciso relegar o papel de mero coadjuvante aqueles que cercam tua vida.

Eu sou meio evasivo. Na maioria das vezes, um tanto suscetível, também, às mudanças comportamentais dos outros, fazendo com que isto acabe moldando minha vida. Não acontecerá mais, no entanto. Tiene que endurecer-se, sem perder la ternura jamas. E por aí vamos nós.

02 janeiro 2003

vida que segue
Como é diferente e extremamente bom quando se consegue contar bem uma história que talvez soasse como melodrama barato se nas mãos erradas e tendo o elenco errado. Assisti Vida que Segue, ontem, e gostei do que vi. Além de ter um grande elenco, encabeçado aí por Susan Sarandon e Dustin Hoffman, conheci, com boa surpresa, o trabalho de um outro ator, chamado Jake Gyllenhaal [que, pela semelhança, durante quase todo o filme achei se tratar de Tobbey Maguire...] e de uma atriz que também não conhecia, uma gracinha chamada Ellen Pompeo, que surgirá em breve no novo filme de Spielberg. Pois bem, como contar sem pieguices a história de um casal que tem a filha assassinada? E como se dá, a partir de então, a relação do então noivo desta filha com os futuros sogros? Em um terreno em que o melodrama fácil pode se derramar com facilidade, o diretor Brad Silberling, do extremamente açucarado Cidade dos Anjos consegue, com leveza e humanidade, sem aqueles ataques de emotivismo, contar uma história inusitada no sentido do desconforto que tal situação pode acarretar para as duas partes, mas, ao mesmo tempo, onde o apoio e a dor da perda por uma mesma pessoa pode ser elo de ligação em não mais futuros parentes [sogros são parentes?]

Lógico que se tornará extremamente estranho, mas também uma peça de apoio a relação que então se estabelece entre os ex-futuro genro e sogros, e como isto se daria na realidade? De diversas formas, é bem verdade, diferentes são os meios de vida, mas, foi a partir de uma experiência pessoal, onde o diretor teria tido o papel de namorado que perde a namorada, que se teria se criado tal trama, como uma espécie de expiação das mágoas do condutor deste filme.

A aproximação de pessoas, que se faz necessária em nome de um ente querido e comum que se vai e o extremo para onde esta pode ser levada - envolvida, ainda, por detalhes jurídicos, uma vez que vai haver o julgamento do assassino da filha - é o mote principal. Quando o ex-noivo, envolto em uma relação de carência afetiva que pode ser confortável, mas também sufocante, mostra que os sentimentos podem se tornar ainda mais confusos, entrando em cena uma outra mulher com a qual se envolve[Ellen], traindo, de certa maneira a louca mais compreensível expectativa dos pais da noiva de que ele se mantesse eternamente solteiro, a coisa pode se tornar ainda mais emaranhada, mas também um grande exercício, onde a honestidade e a sinceridade surtirão grandes efeitos.

Com uma trilha sonora ótima, que inclui Sly & The Family Stone, Rolling Stones, Travis, Elton John, Van Morrison, Robert Plant e Jefferson Airplane, é um filme do tipo que gosto de ver para dar um tempo nas correrias das grandes e frenéticas produções: vagaroso, contemplativo e emotivo sem ser piegas.

é foda ler o jornal e dar de cara com uma notícia, que, verdadeiramente, te pega de surpresa e te deixa realmente consternado. Faleceu ontem, Vera Karam, mestre da dramaturgia. O enterro foi ontem, também. Me ensinou muito de dramaturgia, com suas aulas fantásticas, e, não só pelo talento que sempre teve, mas pela pessoa maravilhosa que era, me deixa realmente triste.

da estranha necessidade de se dizer algo porque mudou o ano
Coisas vagas todos dizem a todo tempo e muitos dizem o tempo todo, para falar a verdade. Até mesmo sobre o estranho hábito de se falar e escrever coisas marcantes que sejam um marco na passagem temporal deste calendário que estabelecemos. Das estranhas saudações e cumprimentos otimistas às promessas de que tudo depois será melhor, estendem-se as verbalizações que costumam assolar todos os cantos nesta época. É quase onipresente a sensação de que se está ultrapassando uma linha no chão e dando um passo a frente dela, mas isso, na realidade, não passa de convenção de que até o nosso subconsciente é vítima. Na realidade, não há muito ou nada para se dizer. Quem disse que há necessidade disto, para falar a verdade? Sorrisinhos?, apertos de mão?, tapinhas nas costas? Nãaaaao, acho que não. Bastaram as bebedeiras do reveillon, os ébrios tomando cassetadas dos brigadianos e as tias gordas com seus vestidos brancos. No más, fora isto, aquela sensação estranha de nostalgia, algum ódio pelas musiquinhas emocionantes e observação estupefata dos comerciais institucionais onde as pessoas se abraçam, os velhinhos seguram crianças loiras e os anjos dizem amém. Como, no final, tudo é produto dos publicitários, o resto é ilusão ou somente as coisas que sempre acontecem.